sexta-feira, março 21, 2008

Entrevista com Nikhil Banerjee

Publico hoje alguns trechos que me chamaram a atenção numa entrevista com o eminente citarista indiano Nikhil Banerjee (1931-1986). Agradeço imensamente a Ira Landgarten, a quem a entrevista foi concedida, por permitir a tradução e a publicação destes trechos. A entrevista original pode ser lida em http://www.raga.com/interviews/207int1.html

***I publish today (in Portuguese) some parts of an interview with eminent Indian sitar player Nikhil Banerjee (1931-1986). Thanks to Ira Landgarten, the interviewer, who gave me permission to translate and publish these excerpts. The whole interview can be read at http://www.raga.com/interviews/207int1.html


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Uma coisa que meu professor Allauddin Khansahib costumava dizer, e era um músico bem conservador, mas ele sempre dizia, “junte tudo, tudo que for bom, de qualquer música de qualquer lugar do mundo!” Allauddin Khansahib, sendo tão rígido e conservador, eu me lembro bem, toda noite, das 9 às 11, a All-India Radio transmitia música clássica ocidental. E toda noite das 9 às 11 ele ouvia, e gostava tanto de música clássica ocidental que dizia, “ouça essa música, a que ponto eles aperfeiçoaram uma única nota! Cada nota correta e tão afinada!” Quanto a isso ele sempre dizia que você deve pegar o que for, de quem quer que seja, de qualquer lugar do mundo.






A partir do século XII a música clássica indiana bifurcou – uma foi para o Norte, a outra para o Sul. O Sul preservou uma ortodoxia rígida; é uma longa discussão, mas eles alegam haver mantido a pureza da música clássica indiana. Se você impede que algo seja tocado pelo mundo exterior, talvez a santidade aí esteja, mas é como água parada. A amplidão não aparece, enquanto a música do Norte da Índia, depois de tantas invasões persas, gregas e afegãs, e de tantos outros lugares, foi enriquecida com combinações diferentes. Esta é uma das razões pelas quais esta música tão antiga ainda tem poder, enquanto no Japão, na China, na Coréia e em todos esses lugares de civilizações tão antigas, [a música] quase secou. A música do Norte de Índia está sempre fluindo, e ainda hoje continua fluindo muito bem. Uma pedra que não pega musgo. É muito cristalina, e ainda poderosa. Os músicos indianos têm ouvido muitos outros tipos de música, e têm tentado pegar algo delas também, e eles continuam procurando. Isto é muito importante, eu acho. Gosto disso. Se você não pega idéias de culturas e povos diferentes, como você pode, de verdade, enriquecer suas próprias idéias? Se você não expande, você tem morte e estagnação. Então o que aconteceu à nossa música do Sul da Índia é algo em que se pensar. Hoje, claro, há grandes músicos, mas muitos deles têm procurado pegar algo da música do Norte. Mas talvez você saiba que muitos músicos que visitam os Estados Unidos com freqüência não são aceitos lá no Sul da Índia. Por quê? Porque foram para o Ocidente, porque ouviram outra música; é um estilo muito ortodoxo. Entretanto, na música do Norte da Índia está o fluxo constante.





Algo que posso dizer é que no fim dos anos 60 e começo dos 70 houve o movimento hippie, os Beatles numa espécie de fase de guru. Às vezes eu fico impressionado! Este país [EUA] é avançado, o maior, mais avançado do mundo em tudo, mas tem um lado tão tolo! De verdade, eu não entendo. A América é uma nação tão inteligente, mas como pode se envolver com esses gurus indianos como Rajneesh? Isso é tão inesperado! Não quero falar mal de ninguém, não. Não sei como a música Indiana se envolveu com o movimento hippie, Mahesh Yogi, os Beatles, Mia Farrow, John Lennon e todos esses grandes heróis pop. O sitar ficou muito popular. “Que você está fazendo?” “Ah, estou meditando com o sitar!” No entando, foi uma loucura por uns anos, aí de repente os Beatles se separaram, a loucura sumiu, os Beatles, popstars e atores e atrizes começaram a dizer que a espiritualidade da Índia era fajuta, que nada era verdade. E no dia seguinte, o sitar não era mais popular! Essa loucura já acabou, e isso é um ótimo sinal, eu penso. A loucura não está mais lá; agora, sim, são os verdadeiros amantes. Os verdadeiros amantes da música e das artes, aqueles que respeitam outras culturas. É um bom sinal, e ficará.





Qualquer pessoa pode aprender – música, cultura, literatura, arte – estas coisas não têm país, casta ou credo, elas estão muito acima dessas coisas. Por exemplo, se você quer se tornar um violoncelista, você não pode perguntar “quantos anos vou levar para virar um bom violoncelista?” Esta é uma pergunta muito tola. É trabalho para uma vida inteira! Se eu amo mesmo o instrumento, vou dedicar minha vida toda a ele, aprender de um bom professor, e estudar minha vida toda; então, talvez, eu me torne um bom violoncelista. É assim, qualquer coisa é trabalho para uma vida toda.






Para ser muito franco, eu sinto que algo que falta nos ocidentais é paciência. Paciência significa que, quando você diz que quer aprender música indiana ou qualquer música, tem que ir fundo. Por uns anos você aprende, estuda e um dia abandona. Não! Aí você não pode esperar nada. Eu sei porque quando eu ensinava aqui havia muitos meninos e meninas muito talentosos. Iam bem, dedicavam-se e se concentravam muito, e aprenderam bem. Um belo dia, diziam “agora eu vou aprender música coreana!”. Ok, você é que decide. Aquela perseverança e força de vontade não estão presentes. Há dois ou três caminhos: se você quer mesmo se tornar um instrumentista, é uma coisa; “quero ter uma idéia sobre música indiana”, aí é outra coisa; “quero aprender por prazer”, é ainda outra coisa. Vi muitos meninos e meninas que tocavam bem sitar ou sarod. Tem também um lado prático: você tem que pensar no futuro. Se você tem força de vontade, que você realmente ama esta música e realmente fará algo, apenas estudar e se concentrar, então você pode se tornar um bom músico. Você precisa ter um guru de verdade, claro, e ouvir bons músicos. É trabalho de uma vida toda. Você ouve, pratica, pensa como melhorar, de novo ouve bons músicos. Quanto a isso, qualquer um pode aprender e tocar boa música.





O que pensa da música “fusion” e o uso de instrumentos indianos no jazz e no rock?

Se eles pegam algumas escalas ou padrões rítmicos da música indiana e os usam, ok. Mas se eles dizem “estou fazendo música indiana” ao misturar música indiana com pop, rock ou outra coisa, aí eu não gosto. Isso não é bom. A base é diferente.





Já experimentou com outra música além da clássica [indiana]?

Não, mas sempre mantenho meu coração aberto. Eu ouço todos os tipos de música do mundo. Gosto de música pop, até certo ponto, gosto de algumas composições. Mas sou contra a mistura – você faz sua música, eu faço a minha. Eu gosto da sua música, você gosta da minha – é isso. Mas misturar – não gosto desta idéia!






Pandit Ravi Shankar fez alguns experimentos interessantes em seus concertos para sitar, usando orquestras sinfônicas e tal.

Sem comentários, sem comentários. Mas eu definitivamente não gosto daquele dueto com o sr. Yehudi Menuhin, “East meets West”. Não, eu ouvi Yehudi Menuhin muitas vezes; na música ocidental ele é um gigante, mas quando toca música indiana parece uma criança. Tudo bem como atração, mas eu discordo, não gosto dessa idéia. Não dá para misturar tudo! É impossível.





Uma atmosfera realmente musical é quando por algum tempo você se esquece de si, por um tempo você é levado a grandes Alturas! Boas notas e frases musicais podem lhe trazer lágrimas. Por quê? Por que essas lágrimas? Quer dizer que seu corpo precisa de alimento mas a sua mente precisa disso, esse lado estético dessa arte. Quando eu fui ao Louvre em Paris e vi aquela famosa pintura de Leonardo da Vinci, a Mona Lisa, eu chorei por muitos minutos! Ela me tocou muito, e quando eu ouço boa música ocidental eu fico emotivo por uns momentos – não muito longos. Se acontece por um longo period, aí você está acima, acima de tudo. Não fica por muito tempo, mas por alguns momentos boa música, boa literature, boa poesia, uma boa imagem, eleva-o e você se esquece do seu corpo e do que está à volta. Este é o propósito da arte! Que ela nos leve a Deus, podemos dizer, ou em direção ao Espaço, além dessas coisas todas. Esse é o propósito, e, como músico, você não está em lugar nenhum! Você faz, tenta fazer, você começa! Você é um iniciante! Aí, algo acontece. Allaudin Khansahib não era uma pessoa educada, ele era muito simples, mas sempre dizia, “ouça, quando você tocar, você vai se lembrar do seu guru. Ele virá para dentro de você e vai levá-lo a criar boa música”. É isso que ele dizia; então, toda vez que ia tocar, ele se lembrava do seu guru por um minuto, no palco. Somente com o som da tampura, antes de tocar seu instrumento, ele fechava os olhos e se lembrava. É um credo. É algo muito controverso. Neste século XX você talvez não aceite, mas aí você não pode criar essa música – algo vem de dentro ou de fora. É isso que cria!