domingo, junho 15, 2008

Dois concertos de Valério Fiel da Costa

Na semana passada se realizaram dois concertos de Valério Fiel da Costa, compositor paraense que conheci na Unicamp e está terminando seu doutorado. Tive a alegria de participar do primeiro e de assistir ao segundo.

O primeiro aconteceu no Ibrasotop[e], em São Paulo. Fui até aquela cidade interessante e barulhenta, grande e cheia demais, em que um cobrador me fez descer do ônibus no ponto errado. Isto, porém, não me tirou a satisfação de estar entre amigos (além do Valério, sua milenar companheira Tânia, o Henrique Iwao, o misterioso Mário del Nunzio).

O concerto do Ibrasotope, como de hábito, consistiu de uma parte eletroacústica e uma segunda parte dedicada ao trabalho de um artista ou grupo – no caso, um compositor, o Valério. Na primeira parte se ouviram composições de Martin Herraiz, Rodolfo Valente, o Deserto dos Cães do próprio Valério e a estréia da minha peça eletroacústica Pituca, de 2002. Henrique bondosamente me convidou a apresentar uma peça eletroacústica, e me é um pouco embaraçoso apresentar esta peça, que não passa de uma página de diário, feita com tecnologia muito ruim, entre composições mais bem cuidadas.

Não posso me esquecer de que esta primeira metade foi aberta por um trabalho de vídeo do Henrique, sem música: uma interpretação visual de Campo Minado, de 2002, obra do Valério. Esta mesma obra abriu a segunda parte, com Mário à guitarra e eletrônicas, Valério aos copos microfonados e Henrique às eletrônicas, microfone de contato e voz.

A segunda parte, como afirmei, trouxe peças do Valério, exclusivamente. A segunda delas foi o Mercado de Seda, de 2004, para piano de brinquedo. Valério planejava obter um piano de brinquedo para a performance, mas não foi possível. Foi executada ao sintetizador. Esta é a composição que executei, e posso dizer que gostei muito dela. A partitura indica reverb profundo em caixas posicionadas no fundo da sala, o que causa efeito extraordinário que agradou a todos, pelo que pude perceber. Pude ouvir este efeito pedindo ao Valério que tocasse o sintetizador, durante o ensaio, para que eu pudesse ficar no fundo da sala, já que tocando a peça eu não podia percebê-lo.

Mesmo sem o efeito a peça me agrada, desenvolvendo-se sobre um número limitado de notas e uma extensão limitada do instrumento (afinal, o original é para piano de brinquedo). É uma composição charmosa e elegante. Honra-me tê-la estreado e ser a pessoa a quem ela é dedicada. Henrique sugeriu que deveria ter o triplo da duração que teve, com o que Valério está de acordo. Também concordo. Embora a peça não esteja “incompleta” com a duração da estréia (este conceito não se aplica a este tipo de música), tenho certeza de que ela pode ser desfrutada por bem mais tempo.

Seguiram-se a Música para Terça, de 2002, com Mário à guitarra e Henrique ao microfone de contato, teclados e voz; e Madrigais, de 2002, com Mário à guitarra, Henrique ao teclado e o compositor ao apito.

Por volta das 20h15, pouco menos de uma hora antes do início, toquei algumas peças minhas ao piano na edícola do Ibrasotope. Este “número” veio indicado no programa como “surpresa”, e, de fato, a divulgação do concerto prometia uma surpresa. Toquei meus Luádios, de 1998, e as Meditações, de 1999.

Este concerto aconteceu na Terça, 10 de Junho de 2008. Três dias depois, na Sexta-feira, 13 de Junho, tivemos um concerto do Valério no Auditório do IA, na Unicamp, com quatro peças. Para esta apresentação Valério escolheu um programa de obras que podem, de algum modo, ser consideradas “sacras” – daí o nome do concerto: Obras sacras !?.

folder 13-6-2008

Antes do concerto e nos breves intervalos entre as peças, ouvia-se canto gregoriano nos alto-falantes do auditório. Pude identificar duas melodias: o intróito Gaudeamus, que nos convida a todos a nos alegrarmos no Senhor, e o Credo III. Escolhas muito significativas, evocando a alegria de realizar um concerto e se comunicar, de algum modo, com um público, a alegria de tocar e de compor; evocando ainda aquilo em que se acredita, o “credo”, pois quem faz música acredita em muitas coisas, em muitos níveis. Valério nos apresenta, por meio de sua música, o seu credo, e isto é altamente positivo. Apresenta-nos, mas não estou dizendo que no-lo imponha. Trata-se de um convite.

A primeira obra foi Missa, de 2007, para narrador, sintetizador e sons gravados (executados pelo compositor) e sinos (por convidados). Em seguida, Madrigais. A Música para Terça foi novamente executada e, completando o programa, Matinais, de 2004, em sua estréia absoluta, tendo o compositor ao violão, Mário à guitarra elétrica, Fábio Saito ao violino e Alexandre Fenerich à flauta.

Pessoalmente destaco Matinais, não só por ter trazido Valério ao violão (o que, pelo que sei, é um pouco raro e poderia acontecer mais vezes), mas pela própria música. Sua duração generosa e inflexões modais não poderiam deixar de me agradar muito. O violão e a guitarra tocam o tempo todo, entremeando-se melodias ora ao violino, ora à flauta. O timbre deste quarteto me fascinou por suas qualidades belas, charmosas e rústicas. Guardo para sempre a lembrança desta execução.

* * *

Algumas das peças de Valério Fiel da Costa mencionadas aqui podem ser encontradas neste endereço:
http://sussurro.musica.ufrj.br/fghij/f/fieldacostava/fieldacostava.htm
entre partituras e gravações.

segunda-feira, junho 02, 2008

Denominadores diferentes, texto IV

Alguns amigos manifestaram interesse pelos textos que escrevi aqui sobre fórmulas de compasso com denominadores diferentes. Por se tratar de um blog pessoal, e não um trabalho acadêmico, ninguém deve se incomodar se volto ao assunto.

Desta vez gostaria apenas de deixar anotada uma idéia básica sobre os denominadores 3, 6 e 12.

Já escrevi sobre o 3 e o 6. Sobre o 12 ainda não. Mas ele não deve ser difícil para quem tenha compreendido o que acontece com o 3 e o 6.

Denominadores 3, 6 e 12

A figura que fiz para este texto mostra de modo simples qual é o raciocínio. Basta pensar assim:

O número da mínima é o 2, porque são necessárias duas mínimas para completar uma semibreve.

O número da semínima é o 4, porque são necessárias quatro semínimas para completar uma semibreve.

Portanto, se temos uma tercina de mínimas num 4/4, cada figura vale um terço do compasso. Então o número dessa figura é 3. Se o 3 for o denominador do compasso, temos nesse compasso um número de figuras 3 indicado pelo numerador (o número de cima). No exemplo, usei 2/3 – duas figuras que valem, cada uma, um terço de uma semibreve.

Se pensarmos em tercinas de semínimas, precisamos de seis para completar uma semibreve – então o número desta figura é 6. Escrevi no exemplo um compasso de 5/6, composto de cinco figuras que valem, cada uma, um sexto de uma semibreve. Um 5/6 equivale a um 4/4 que perdeu um sexto do seu valor, isto é, uma semínima de tercina de semínimas.

Quando o denominador for 12, precisamos de 12 figuras para completar uma semibreve – são tercinas de colcheias. Então o 7/12 do exemplo compõe-se de sete figuras iguais a cada uma dessas colcheias “tercinadas”. Um 7/12 equivale a um 4/4 que perdeu cinco colcheias “tercinadas”.

Acredito que o primeiro passo para um “solfejo” de fórmulas com denominadores diferentes seja o estudo dos denominadores 3, 6 e 12 – que são bem fáceis, na minha opinião. Porque eles partem de figuras às quais já estamos habituados, que são as tercinas de mínimas, semínimas e colcheias dentro de um 4/4. São divisões bem “quadradas”.