terça-feira, dezembro 12, 2006

Desenho

Estou um pouco assustado com a tela branca à minha frente, esperando as minhas letras encadeadas e separadas por espaços, mas tudo bem. Por isto troquei, como costumo fazer. Fiz a tela ficar preta e estou escrevendo com uma cor clara.

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Estou passando de novo no computador uma peça de 2002 chamada Desenho, ou então Desenho I. É que não escrevi outro desenho desde então, por isso o número fica um pouco sem propósito. Creio que ainda escreverei outro. Este é para flauta, woodblocks e glockenspiel. Na época eu queria escrever uma composição para flauta e woodblocks, pois me parecia uma instrumentação consideravelmente limitada com a qual poderia tentar inventar coisas mais ou menos diferentes, mas sem dúvida curiosas. Na verdade já gosto de escrever para flauta solo, por exemplo, então acrescentar woodblocks me parece, de um lado, até um enriquecimento da instrumentação. Mesmo assim acabei acrescentando o glockenspiel depois, para variar um pouco, proporcionar à peça uma cor diferente.

Além da instrumentação bastante inusual para o meu padrão, a própria peça é inusual também, porque não é meditativa, nem contemplativa, e, rimando de novo porque não posso evitar, repetitiva. O andamento é moderadamente rápido, as melodias da flauta são um pouco alegres no sentido mais ou menos exótico da palavra. Até incluí dentro dela o tema de uma peça para piano que havia escrito uns dois ou três anos antes. A peça para piano se chamava (e ainda se chama) Após uma leitura do Tao Te King, e era (e ainda é) bastante simples, lenta e um pouco seca, mas no sentido úmido da palavra. No Desenho o tema aparece rápido, com dancinhas dos woodblocks.

A harmonia do Desenho é, em certo sentido, até clássica; mas não clássica no sentido de classicismo, obviamente. É que em alguns momentos usei pentatonismos; na parte em que o glockenspiel toca mais, o mais do que clássico dodecafonismo, como flores coloridas para adornar a música. Parece curioso, hoje, que um compositor se sinta meio ultrapassado por usar dodecafonismo e não tonalidade. Mas tudo depende; para alguns, ambas as coisas já se foram; para outros, uma é o máximo e a outra é o mínimo; para mim são ambos recursos interessantes e divertidos, embora ultimamente (e não em 2002, época do Desenho) eu venha pendendo muito mais para a tonalidade, ou mais precisamente, para o modalismo.

Entre 2001 e 2002 eu tinha escrito outra peça para flauta com instrumento de percussão também, mas no caso era flauta e vibrafone; o título é Vrindavan, que fui buscar na mitologia hindu. Em tempos mais recentes senti um pequeno mal estar com esse nome parecido com o que senti em relação a As sacerdotisas, mas hoje já estou convencido de que não existe problema. Não são nomes pagãos demais, como eu pensava, e tampouco preciso me alongar na explicação disto. Vrindavan é diferente do Desenho, mas também usa modalismos e dodecafonismos lado a lado. Só que esta é mais sonhadora e um pouco exuberante, no sentido discreto da palavra, enquanto o Desenho às vezes parece uma maquininha de música tocando ritmos irregulares.

Conformado com que não saiba desenhar, dei o nome de Desenho a uma peça minha, e talvez acabe escrevendo outros desenhos, sabe Deus quando.