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Reparava em alguns filmes, mesmo que assista a tão poucos, em certas transições, ou melhor, cortes de uma cena para outra, que a primeira fosse muito barulhenta e a segunda silenciosa. Quem faz o filme não liga, ou melhor, bem provavelmente faça isso de propósito: uma cena barulhenta, outra muito quieta.
Não me lembro se descobri sozinho ou se li antes de perceber, mas as composições de Giya Kancheli fazem a mesma coisa. Quer dizer, sempre percebi nelas os cortes abruptos, mas depois é que me ocorreu ligar isso ao cinema; aí é que não sei se entendi sozinho ou li antes. Mas não importa; esta é uma nova influência para a caixinha de influências e mil janelas abertas para entender melhor Kancheli.
Quer dizer que preciso do cinema para entendê-lo? Não, não se trata disso. Hm, talvez se trate, sim. Mas isto não é importante. Ao ouvir música, mesmo que pense muito em música, não terei recorrido a mil tipos de pensamentos não musicais? Situações, paisagens, cores, palavras ou o que mais apareça. Cinema é mais uma delas. Aliás, cinema sempre foi uma delas, e uma das principais, e sem que isso implique em pensar em trilha sonora musical necessariamente.
Quero dizer, esse exemplo mesmo da cena barulhenta e da cena silenciosa não é obrigatoriamente musical. A cena barulhenta pode ser de tiros na guerra, ou de multidão, ou outras máquinas funcionando.
Falei que se tornou uma nova influência porque eu não fazia isso antes, pelo menos não conscientemente; contrastes dinâmicos na minha música nunca aconteceram como acontecem em Kancheli ou nesses filmes. Mas agora sim; hoje mesmo escrevi alguns compassos em que me alegrei todo por usar esse recurso. Considero-o muito bom porque evita a obrigação à transição lógica demais, à pacificação gradual de uma textura impetuosa, ou ao enfurecimento gradual de um momento meditativo. Pelo menos até aqui, entretanto, é tudo moderado; Kancheli não é uma gangorra emocional, te jogando à tristeza três segundos depois de te animar, para depois te trazer de novo ao Éden e então te tirar a esperança. Kancheli não é assim (pelo menos pelo que tenho percebido), e tampouco pretendo ser.
Como referi ali acima, assisto a bem poucos filmes. Quando tinha uns dezessete anos cheguei a ver uma ou outra coisa das que chamam de cult, gostei de algumas delas. Nos anos seguintes devo ter visto uma coisa por ano, ou a cada seis meses, mas não me lembro tão bem delas, embora certas características tenham ficado um pouco na memória. Uma delas é esse contraste de que estou falando. Acho interessante que, mesmo com uma cultura fílmica muito pobre, acabe tendo sido influenciado um pouco por certas atmosferas que nem sempre encontro na música de concerto, mas na de filmes sim. É desnecessário dizer que não sou o único, ainda que esse tipo de aprendizado influencie cada um de uma maneira diferente, e tenho também as minhas influências, muito fortes, de certos tipos de música de concerto e também litúrgica (de que já falei aqui, e talvez volte a falar).
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