segunda-feira, março 02, 2009

O estado de alma na oração litúrgica

Um aspecto muito interessante da Liturgia das Horas que eu gostaria de sublinhar é a possibilidade de o fiel se deparar, na sua recitação, com salmos cujo conteúdo contrasta com seu presente estado psicológico.Suponha-se que, sentindo-se feliz, cheio de júbilo e otimista, o fiel proceda à recitação do Ofício Divino e, nele, encontre a XIV parte do Salmo 118:

Ó Senhor, estou cansado de sofrer;

Vossa palavra me devolva a minha vida!

Ou, de outro modo, sentindo-se deprimido e, de alguma forma, abandonado, depare-se com estes versículos do salmista:

Bendito seja o Senhor Deus que me escutou,

Não rejeitou minha oração e meu clamor,

Nem afastou longe de mim o seu amor!

Trata-se de uma situação comum à Liturgia de modo geral, tanto do Ofício Divino como da Santa Missa. Por serem atos públicos, sua codificação pela Igreja faz com que todos os fiéis se unam nas mesmas orações prescritas para um determinado dia litúrgico, formulário de Missa ou hora do Ofício.

Além disto, existem também os tempos litúrgicos, e a mesma dificuldade poderia ocorrer: o fiel não sente de verdade a alegria do Tempo Pascal, não consegue se concentrar nas práticas da Quaresma e assim por diante.

Naturalmente nada disto que digo é uma defesa da “oração espontânea” em detrimento da Liturgia da Igreja. Muito pelo contrário; a oração particular me parece ser, e muito, enriquecida pela oração litúrgica em todos os seus aspectos, inclusive este de “incompatibilidade psicológica”.

No mais, a oração torna-se mais ampla, deixando de limitar-se a um tempo demarcado. No dia de hoje, embora feliz, rezo um salmo que me faz recordar dias difíceis pelos quais eu tenha passado; outra possibilidade é a de pensar e rezar por aquelas pessoas que vivem a situação descrita no salmo.

Não posso deixar de lembrar que isto são esboços de uma reflexão pessoal, e que existe nos salmos aquela dimensão fundamental de orações que apontam para a vinda do Messias. Há muitos textos excelentes a este respeito, e a IGLH (Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas) traz, de modo breve, alguns ensinamentos a este respeito.

Termino esta pequena reflexão citando um importante parágrafo da mesma IGLH, precisamente ligado ao assunto que abordei:

108. Na Liturgia das Horas, quem salmodia não o faz tanto em seu próprio nome, como em nome de todo o Corpo de Cristo, e ainda na pessoa mesma do próprio Cristo.

Aquele que tem isso bem presente resolve as dificuldades que possam surgir, ao perceber que os sentimentos do seu coração, enquanto salmodia, discordam dos afetos que o salmo expressa.

Por exemplo, estando triste e cheio de amargura, canta um salmo de júbilo, ou, estando feliz, canta um salmo de lamentação. Na oração meramente particular isto facilmente se evita, porque nela há liberdade para escolher um salmo adequado ao próprio estado de alma.

Contudo, no Ofício divino, os salmos em sua sequência oficial não se cantam em particular, mas em nome da Igreja, mesmo quando alguém recita sozinho alguma das Horas.

Quem salmodia em nome da Igreja poderá sempre encontrar motivos de alegria ou tristeza, porque também a isto se aplica a passagem do Apóstolo: “Alegrar-se com os que se alegram e chorar com os que choram” (Rm 12, 15).

Assim, a fraqueza humana, ferida pelo amor de si própria, é curada na medida do amor com que a mente acompanha a voz de quem salmodia.

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