quinta-feira, janeiro 11, 2007

Veni

Como escrever uma composição cujo início tenha sido escrito há anos? Fiz isso algumas vezes até hoje, a abordagem nem sempre foi a mesma e isto depende, é claro, das idéias em si.

Falo nisso porque a minha peça mais recente se enquadra nesse caso. Chama-se Veni, e tem partes escritas em diferentes anos. Foi concluída agora bem no início de 2007, teve trechos escritos no fim de 2006 mas sua origem é um pouco mais distante. A idéia principal, os primeiros compassos, foram escritos em algo como 1993, e uma continuação dela em 1999 ou 2000. Alguém talvez dissesse que nem é tanto tempo assim, se hoje eu tivesse oitenta anos. Mas como tenho vinte e seis, faz toda diferença. A idéia foi esboçada quando eu tinha treze anos, continuada quando tinha dezenove e retomada há algumas semanas.

Não me preocupo em continuar desenvolvendo a peça no mesmo estilo em que foi começada, ou melhor, não me preocupo demais com isso. Neste caso permaneci no mesmo universo harmônico, sim, porque querer concluir esta peça nunca saiu da minha cabeça, e minha intenção sempre foi que ela se centrasse no modo lídio, e usando somente as teclas brancas do piano. Alguém poderia ouvir esta peça como constante de uma espécie de epígrafe, escrita em 1993, uma segunda epígrafe se seguindo sem interrupção, de seis ou sete anos mais tarde, e depois a parte mais longa da composição. As partes não são assim tão destacadas, mas há uma certa diferença. A parte inicial é mais movimentada, como se fosse uma parte temática. O que se segue são meditações, outros temas estilizados, referências ao tema adolescente. Poderia pensar também num filme com cenas de uma época, depois cenas de outra época, e finalmente estabelecendo-se em cenas de uma terceira época. Filme, ou mesmo conto.

Se não escrevi esta peça antes é porque ela não estava pronta para ser composta, ainda que a idéia principal estivesse pronta. Tinha que ser agora; tinha que ser nesses três momentos. A mesma coisa aconteceu com a quarta das Meditações, que escrevi em 1999. Sua idéia principal, de quatro compassos, era de oito anos antes, quando não tinha idéia nenhuma do que fazer com aquilo. Precisei mudar (e bastante) de idade, conhecer e ouvir diversas coisas até que tivesse realmente algo a expressar com aquilo. E naquele caso é uma peça mais homogênea, diferente de Veni.

A propósito, o nome Veni, que é “vem”, se refere à ânsia, ao desejo, um tanto intenso no início, tornado mais sutil, depois, ainda que sempre presente. Em vez de apresentar um desejo crescente ou uma ânsia finalmente resolvida, procurei expressá-la de modo mais estático, sem muito drama, embora ela possa oscilar, surgindo em vagas do mesmo modo que desaparece para dar lugar à calma.

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No mais Veni é também uma alegria, já que em 2006 não escrevi, para minha grande frustração, nenhuma peça para piano, coisa que não acontecia desde que eu não compunha. Ou melhor, acho que em 1996 também não escrevi nada. No ano passado não soube aproveitar os momentos de folga que tive, sempre incomodado com o prognóstico de ter que parar dali a duas horas, por exemplo. Neste ano gostaria de aprender a fazer diferente e poder voltar a escrever mais peças. O ponto positivo de 2006, porém, foi que passei a estudar um tanto da música litúrgica, e escrevi um tanto de peças nesse sentido, já que isto não requer que me sente ao piano para divagações intermináveis. Talvez fale nisto uma outra hora.