A catedral submersa
É um pouco espantoso, de certo modo, descobrir que no prelúdio La cathédrale engloutie existe não uma mudança, mas duas mudanças de andamento que não vêm anotadas nas edições impressas dos prelúdios de Debussy. Um pouco do espanto vem do fato de só agora eu descobrir isto, depois de alguns anos em contato com esta peça que é das minhas preferidas.
Precisamente os compassos de 7 a 12 e de 22 a 83 devem ser tocados duas vezes mais rapidamente do que o andamento precedente.
E então eu pensei nas mais ou menos inúmeras vezes em que toquei esta peça e, ao chegar o compasso 7, continuei no andamento, contando dois pulsos para as mínimas... e, para dizer a verdade, achando tão bela esta diminuição do andamento.
Numa aula de análise Sílvio Ferraz disse que temos aí monges, nesses compassos de 7 a 12. Temos mesmo. Temos até sinos, conforme aprendi na mesma aula. Do compasso 5 até o 13 o sino toca doze vezes, como se pode verificar com clareza. Os sinos aqui são um mi em três oitavas. E os monges são sem dúvida monges de Debussy. Ele não escreveu nenhum pastiche de canto gregoriano para este trecho.
E justamente estes monges é que cantam com o dobro da velocidade escrita, ou melhor, as mínimas desta parte valem o mesmo que as semínimas até o compasso 6. E realmente faz sentido. Tocar como antes não é mau, admito, talvez porque já esteja acostumado. Mas tocando no andamento que descobri ser correto os monges realmente cantam, a melodia é mais fluida, como pede a indicação doux et fluide, doce e fluido, que está na partitura.
Antes que me esqueça, sabe-se que é para ser assim porque há uma gravação em piano de rolo feita pelo próprio Debussy. E é assim que ele toca nela. Ainda não ouvi, será difícil obter?
Falei ali acima que outro trecho também deve ser mais rápido, compassos de 22 a 83. Ou seja: isto inclui o grande tema em tríades paralelas... e não só na sua aparição grandiosa em fortíssimo, mas também na sua roupagem submersa, mais perto do fim, a partir do compasso 72.
Aquelas doze badaladas do sino acontecem de novo, embora no grave. Nos compassos de 28 a 46 há doze oitavas graves, sendo as sete primeiras em meio ao tema, na nota dó. As seguintes vão descendo: si bemol e lá bemol, como sol sustenido, em que começa uma parte nova em que os monges cantam novamente, mas agora mais graves.
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