Morte da Música Clássica
Leio em alguns blogs diferentes modos de entender a resposta à questão “a música clássica está morrendo?”. Uma variante da pergunta é “a música clássica está morta?”.
Há muito o que dizer antes mesmo de começar a responder. Primeiro, que essas perguntas pressupõem aquela noção mais popular de “música clássica” como sendo toda a música erudita, de concerto, enfim, essas coisas. Assim, Vivaldi é clássico, Bach é clássico, Chopin. Não é a noção mais exata de que música clássica é aquela do período em torno de 1750 a 1800, talvez um pouco antes, o que põe mais especificamente Haydn, Mozart e Beethoven como realmente “clássicos”.
Superada essa questão, a expressão “música clássica” também é usada em outro sentido abrangente, diferente daquele primeiro: opõe-se “música clássica” à “música moderna” ou “contemporânea”. Música clássica é aquela de antes do século XX, em geral – assim supõe esta noção. E é neste sentido que muitos falam da música clássica como morta ou prestes a morrer.
Não sou indicado para responder a uma questão dessas. Recuso-me a dar como mortas coisas que à maioria das pessoas parecem superadas; ainda que fosse o único, e sei que não sou. Nunca ouvirão de mim que o latim é língua morta. Nunca ouvirão de mim que a música clássica, seja qual for, é morta. Enquanto houver registros das coisas, estão tecnicamente vivas para mim.
Então, alguém poderia dizer, trata-se do conceito de “vida”. Sim, é isso mesmo. O crítico que li prevendo a morte da música clássica escreve que ela continuará existindo, sendo tocada e estudada, mas não do jeito que é hoje. Ah, sim; para mim esse é um conceito estranho de morte. Para mim morte é morte, ostracismo, desprezo; não a morte humana, mas a morte das coisas, desta arte, daquela idéia, daquele pensamento.
O tal crítico prevê que não existirá mais o formato de concerto como é hoje, por exemplo (sim, acho que é isso), o que não me surpreende nem um pouco porque esse formato é ligeiramente inadequado, para dizer o mínimo. O concerto do século XVIII não era como o do século XX, e é de se supor que no futuro não será mais como é hoje.
Aí tudo se explica. O anúncio da morte da música clássica é mais uma manchete bombástica para comentários um pouco mais sutis sobre a mudança das coisas que se costuma dever esperar.
Que epifânico e inovador formato eu proporia para substituir o do concerto? Nenhum. Quando digo dele ser inadequado é por questões mais simples, como ter que ficar sentado (lamentavelmente não deitado), virado para a frente, num comportamento inteiramente estudado e atuado. Seria errado dizer que não gosto de concertos, mas não sou tão chato a ponto de creditar isso ao seu formato; antes, é claro, ao bom trabalho do músico. Concertos são bons; mas muita gente hoje já percebeu que ele precisa de pequenas adições que até já vinham sendo feitas antes, como iluminações interessantes. Para mim foi outro mundo tocar com uma lâmpada vermelha sobre mim, e ainda outro planeta com uma lâmpada azul. Ares novos para o músico e para o público. A música popular já sabe disso há tempos, e a erudita em grande parte também já aprendeu, sobretudo a contemporânea.
Proporia então luzes azuis para um coro gregoriano? Não sei, na verdade ainda nem sei se faz sentido um concerto de um coro gregoriano, já que a função desta música é servir à Liturgia católica (não que eu não iria ao concerto). Mas, por favor, não estou propondo lâmpada azul, lâmpada vermelha; mas sutilezas de iluminação, o que pode incluir cores mas também pode ser apenas jogos com as luzes comuns. Não entendo de iluminação, procuro apenas pensar idéias levando em conta, inclusive, coisas que já vi.
Para resumir e voltar ao chão, a minha resposta à pergunta seria não, a música clássica não está nem estará morta enquanto houver quem a cultive. Não interessa se tal classe social não ouve, não interessa se tal classe social ouve, nada interessa; interessa que haja um grupo se dedicando a ela; neste caso não está morta. Sua relevância para o mundo contemporâneo, que alguns poderiam colocar em questão, é que pode de fato ser discutida, ainda que eu não saiba se estou mesmo interessado nisso – especialmente porque há tanta bobagem sendo relevante para o mundo contemporâneo.
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