domingo, novembro 18, 2007

O número 3 como denominador de fórmulas de compasso

    Este texto é o primeiro de uma série (que não sei quantos terá...) sobre fórmulas de compasso irregulares. Há vários aspectos que serão considerados nos textos subseqüentes que não foram abordados neste primeiro. Trata-se de uma tentativa de pensar tais fórmulas sem discutir muito se elas são ou não necessárias.


As fórmulas de compasso comumente utilizadas se servem, no seu denominador, dos números 1, 2, 4, 8, 16, 32, 64 etc., ou seja, potências de 2. Claro que é possível estender a lista, mas para fins práticos não se costuma ir muito longe. O máximo que vi foi o 32, que pode ser encontrado em um "clássico" do século XX como Webern. Quanto aos números mínimos, gosto de usar o número 1 como denominador, o que já fiz várias vezes (compassos de 1/1, 2/1, 3/1).

Uma possibilidade, já considerada, explicada e utilizada, é a de números diferentes no denominador. Diferentes das potências de 2, diferentes do 1, 2, 4, 8, 16 etc. Parece que o compositor americano Henry Cowell já discorre, no seu livro New Musical Resources, sobre este recurso. Entretanto, não conhecendo ainda o livro, não sei até o momento que abordagem ele faz.


    Meu amigo Bernardo aponta que também Hindemith abordou estas fórmulas irregulares no seu conhecido livro de adestramento para músicos.



Um dos compositores mais conhecidos, talvez o mais conhecido, a usar estas fórmulas de compasso diferentes, é o inglês Brian Ferneyhough. Não é raro encontrar em suas partituras fórmulas como 5/12, 3/10. Em suas peças este é mais um aspecto da complexidade rítmica, que no mais envolve muitas quiálteras e quiálteras dentro de quiálteras.

Meu desejo aqui é refletir sobre as possibilidades de modo bastante simples, ou melhor, começando do mais simples possível. Portanto desta vez vou considerar apenas o denominador 3, isto é: fórmulas de compasso como 4/3, 2/3 e assim por diante.

Toda fórmula de compasso, conforme as usamos, é também uma fração que indica quanto de uma semibreve aquele compasso vale. Isto é: um 4/4 indica que o tamanho do compasso equivale a quatro quartos (um inteiro) de uma semibreve. 2/4 indica que o compasso vale dois quartos (metade) de uma semibreve. Este raciocínio é que se deve ter em mente quando se imagina uma fórmula diferente.

Uma fórmula 3/3 equivale a três terços, ou seja, um inteiro, de uma semibreve. Portanto, ele é igual a um 4/4 ou 2/2 ou 1/1. Mas sugere que a semibreve é dividida em três partes iguais, numa figura que, em 4/4, seria uma quiáltera. O exemplo a seguir nos ajuda a entender:



O compasso A é um 4/4 comum, preenchido com quatro semínimas indicando seus quatro tempos.

O compasso B é um 4/4 também; porém, está divido em três partes iguais, o que é uma quiáltera. A fração 3:2 explica que temos três figuras no lugar de duas; isto é: devíamos ter duas mínimas, mas excepcionalmente temos três.

O compasso C é rigorosamente igual ao compasso B. Porém a fórmula, sendo 3/3, já indica que a semibreve (sempre nosso ponto de referência) será ordinariamente dividida em três partes. Portanto, não há necessidade de indicar quiáltera, pois ela não existe.

O compasso D traz a fórmula 2/3. Ele tem dois tempos, sendo que cada um vale um terço de uma semibreve. Isto é: ele se compõe de dois pulsos, cada um igual a cada um dos três do compasso C (3/3). Assim também o compasso E, em 4/3: compõe-se de quatro pulsos, cada um igual a cada um dos pulsos do compasso C.

Na prática, o compasso E é uma desaceleração do compasso A. E estas fórmulas com números diferentes só fazem sentido nesse contexto de comparação com as fórmulas convencionais, ou melhor: só fazem sentido quando estão confrontadas com outras fórmulas de numeradores diferentes. Não faz sentido escrever uma peça inteiramente em 4/3 (a não ser por razões simbólicas...), já que é a mesma coisa escrever em 4/2, ou então em 4/4.

Mesmo que mude o número de tempos, se o denominador for o mesmo a irregularidade não é necessária. Não é preciso escrever, por exemplo, uma seqüência 5/3 - 4/3 - 5/3 - 2/3 - 7/3. Basta escrever 5/4 - 4/4 - 5/4 - 2/4 - 7/4.

Em resumo, um 4/3 só faz sentido se o "pulso principal" for o de um 4/4, ou 3/4, ou 4/2, ou qualquer outra fórmula que não tenha 3 no denominador.

Certo. Além disto tudo, se um denominador 3 significa uma modificação do pulso, podemos concluir também que esta mudança poderia ser notada simplesmente como uma mudança metronômica, sem dúvida nenhuma. Em geral esta opção seria melhor no que se refere à leitura. Por isso considero prudente, por exemplo, numa peça para orquestra ou mesmo de câmera, preferir as mudanças de andamento às fórmulas "exóticas". Evita aborrecimentos de ordem prática.

Apesar disso, não me parece inútil a tentativa de teorizar um 4/3. Até hoje não usei este tipo de fórmula, mas é possível que em algum momento use. Não me parece absurda numa partitura para piano solo, por exemplo.

Um novo exemplo abaixo ajuda, assim penso, a entender mais um pouco. Começando em 4/4, os compassos seguintes usam 2/3 e 4/3, voltando no final a 4/4, de maneira que o contraste entre as fórmulas com 4 e as com 3 ficam mais audíveis.

Clique aqui para ouvir o midi com o próximo exemplo.



Abaixo, o mesmo trecho escrito com fórmulas convencionais e mudança metronômica.



Assim é possível usar, por exemplo, uma alternância 4/4 - 4/3 tanto como aceleração como desaceleração, dependendo das figuras usadas. Uma oposição de semínimas em 4/4 com semínimas em 4/3 soará como aceleração; uma oposição de semínimas em 4/4 com mínimas em 4/3, como desaceleração.

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Quando procuro entender estas fórmulas de compasso e penso por algum tempo nelas, tenho às vezes a sensação de que é muita dificuldade, ou então de que é dificuldade demais para pouco resultado, ou então que anotar as mudanças de andamento (e manter as fórmulas convencionais) é muito mais simples.

Não digo que nada disso seja verdade. A execução de uma peça que contenha 4/3, 2/3, 5/3 requer estudo prévio (mas qual peça não requer?...) no sentido de compreender estas particularidades rítmicas. Entretanto, mudanças de andamento também exigem este tipo de estudo de uma obra. Em certas peças do século XX chegou-se ao ponto de se fazer uso de click tracks: os intérpretes se servem de um fone de ouvido no qual ouvem o pulso da obra com todas as variações programadas.

Neste sentido não seria tão longe da realidade, assim penso, tentar desenvolver um solfejo, ainda que simples, destas fórmulas irregulares. Mesmo que se recorra ao auxílio de arquivos gravados, o que, a propósito, acho muito bom.

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Em futuros posts refletirei sobre o uso de outros números como denominadores para fórmulas de compasso. Mais especificamente, tratarei do número 6 no próximo texto.

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