sexta-feira, dezembro 29, 2006

Para o Natal

O Natal comemorado mais mundanamente começa tempos antes e culmina no dia 25 de Dezembro, após o que desaparece completamente, dando lugar a dias meio vazios à espera do Ano Novo.

A Igreja ensina de outra forma. O Advento prepara para o Natal já a partir de quatro semanas antes, mas não o celebra com antecedência, por assim dizer. Tanto que cessa de cantar o Gloria nesse tempo litúrgico, para retomá-lo precisamente na primeira Missa do Natal. Enquanto a “festa” mais “secular” o abandona neste ponto, a Igreja faz a verdadeira festa, celebrando a Sagrada Família, a Epifania e todo o júbilo decorrente do nascimento de Deus como homem.

Por isto é que, já passado o 25 de Dezembro, trago meus votos de Feliz Natal a todos que me lêem, desejando que, tanto quanto possível, se recolham para a meditação destes mistérios. Que cumpram e tenham cumprido, se for o caso, a parte social e de festas; mas que façam sua verdadeira celebração no recolhimento e na reflexão.

Cantos

Olivier Messiaen não escreveu música litúrgica por considerar que apenas o canto gregoriano é verdadeira música litúrgica. Poucos compositores católicos terão aceito esta verdade, e, pelo menos em alguns momentos de sua vida, escreverão peças para a Santa Missa.

Sim, é uma verdade, embora pudesse tirar a palavra “apenas”. Não apenas o canto gregoriano é verdadeira música litúrgica, mas ele é a música litúrgica excelente, a música própria da Igreja Romana segundo o seu dizer. Ela aceita e encoraja a composição de outros tipos de música adequados à Liturgia, o que faz tanto Messiaen como todos os outros estarem certos: desde que escrevam composições realmente litúrgicas.

quarta-feira, dezembro 27, 2006

Galina

A grande Galina Ustvolskaya faleceu no dia 22 de Dezembro, e foi sepultada hoje, 27, em São Petersburgo.

Passado

A idéia: já que se aprendeu a escrever coisas que se vivem, escrever um pouco também sobre coisas que se viveram.

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Quatro anos

Hoje este blog faz quatro anos. Não há arquivos aqui para provar, mas não precisa. São quatro anos entre regularidade e irregularidade, escrever e não escrever, sangue, suor e lágrimas, amigos e amigos. Obrigado a todos.

domingo, dezembro 17, 2006

Outro sonho noturno

Dessa vez eram dez arcos-íris.

E digo sonho noturno porque foi à noite. Ainda que meus sonhos diurnos sejam todos noturnos.

Jogos eufóricos

Quem pode entender os seus jogos eufóricos? Os seus brinquedos prontos, a brincadeira obrigatória e automática.

*

Chamar um texto de “jogos” alguma coisa é levemente tolo, porque levemente pretensioso. Parece nome de filme importante, ou que todo mundo está vendo, ou o tal filme essencial do diretor imprescindível, daqueles com história até mesmo muito interessante, mas cuja essência na verdade é mesmo o fato de ser uma fábula sobre o ser humano e a sua, a sua alguma coisa. O ator principal é mesmo tremendamente famoso, mas faz coisas muito boas, como esse próprio Jogos alguma coisa.

Guia à pureza

Em primeiro, saiba-se nada puro. A não ser que queira a primitiva pureza, a que não se conhece, a que se pode perder com facilidade.

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Alento ao artista

Há no mundo mais de seis bilhões de pessoas. Há certamente pelo menos seis mil que vão gostar de você e do que você faz.

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Dois sonhos da noite passada

Aranhas verdes e gatos selvagens dentro de casa.

terça-feira, dezembro 12, 2006

Desenho

Estou um pouco assustado com a tela branca à minha frente, esperando as minhas letras encadeadas e separadas por espaços, mas tudo bem. Por isto troquei, como costumo fazer. Fiz a tela ficar preta e estou escrevendo com uma cor clara.

*

Estou passando de novo no computador uma peça de 2002 chamada Desenho, ou então Desenho I. É que não escrevi outro desenho desde então, por isso o número fica um pouco sem propósito. Creio que ainda escreverei outro. Este é para flauta, woodblocks e glockenspiel. Na época eu queria escrever uma composição para flauta e woodblocks, pois me parecia uma instrumentação consideravelmente limitada com a qual poderia tentar inventar coisas mais ou menos diferentes, mas sem dúvida curiosas. Na verdade já gosto de escrever para flauta solo, por exemplo, então acrescentar woodblocks me parece, de um lado, até um enriquecimento da instrumentação. Mesmo assim acabei acrescentando o glockenspiel depois, para variar um pouco, proporcionar à peça uma cor diferente.

Além da instrumentação bastante inusual para o meu padrão, a própria peça é inusual também, porque não é meditativa, nem contemplativa, e, rimando de novo porque não posso evitar, repetitiva. O andamento é moderadamente rápido, as melodias da flauta são um pouco alegres no sentido mais ou menos exótico da palavra. Até incluí dentro dela o tema de uma peça para piano que havia escrito uns dois ou três anos antes. A peça para piano se chamava (e ainda se chama) Após uma leitura do Tao Te King, e era (e ainda é) bastante simples, lenta e um pouco seca, mas no sentido úmido da palavra. No Desenho o tema aparece rápido, com dancinhas dos woodblocks.

A harmonia do Desenho é, em certo sentido, até clássica; mas não clássica no sentido de classicismo, obviamente. É que em alguns momentos usei pentatonismos; na parte em que o glockenspiel toca mais, o mais do que clássico dodecafonismo, como flores coloridas para adornar a música. Parece curioso, hoje, que um compositor se sinta meio ultrapassado por usar dodecafonismo e não tonalidade. Mas tudo depende; para alguns, ambas as coisas já se foram; para outros, uma é o máximo e a outra é o mínimo; para mim são ambos recursos interessantes e divertidos, embora ultimamente (e não em 2002, época do Desenho) eu venha pendendo muito mais para a tonalidade, ou mais precisamente, para o modalismo.

Entre 2001 e 2002 eu tinha escrito outra peça para flauta com instrumento de percussão também, mas no caso era flauta e vibrafone; o título é Vrindavan, que fui buscar na mitologia hindu. Em tempos mais recentes senti um pequeno mal estar com esse nome parecido com o que senti em relação a As sacerdotisas, mas hoje já estou convencido de que não existe problema. Não são nomes pagãos demais, como eu pensava, e tampouco preciso me alongar na explicação disto. Vrindavan é diferente do Desenho, mas também usa modalismos e dodecafonismos lado a lado. Só que esta é mais sonhadora e um pouco exuberante, no sentido discreto da palavra, enquanto o Desenho às vezes parece uma maquininha de música tocando ritmos irregulares.

Conformado com que não saiba desenhar, dei o nome de Desenho a uma peça minha, e talvez acabe escrevendo outros desenhos, sabe Deus quando.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Estudo da memória

A memória desatenta vai obrigá-lo a andar, aonde quer que vá, com um caderninho? É possível, se não se esquecer do caderninho.

Apegue-se mais às lições que você mesmo inventa, pelo menos a essas. No mínimo poderá testá-las e entender se está ou não ficando um pouco mais sábio a cada dia. Não se esqueça tanto de tudo.

Memorize mais orações latinas e melodias gregorianas, talvez mais uma sonata de Schubert. Ponha-as de vez no coração, mesmo que elas já morem lá em grande parte do tempo.

Console-se, sim, com que possa ter crescido sua capacidade de criar e de entender o que está fazendo. Não descuide, entretanto, da cola mística que faz as coisas se fixarem às paredes da lembrança.

terça-feira, dezembro 05, 2006

O polvo

Vai chovendo em Jundiaí e eu estava aqui tentando me lembrar do que eu ia escrever.

Era algo sobre haver muita filosofia, muita música, muita literatura, e que cada umas dessas coisas preenche muitas estantes, cada uma na verdade enche muitas bibliotecas. E não dá para saber de tudo. Especialmente quando alguém parece saber de tudo. Especialmente quando é alguém parecido com um polvo, um polvo que me aborda e traz em cada um dos oito braços uma coisa fantástica e interessantíssima que eu jamais teria alcançado sozinho, e que tive a falta de sorte de não conhecer antes, puxa vida. E o que dizer de uma conferência de polvos?

“Vive com tranqüilidade e cumpre a tua missão”, é a idéia que eu tive, um pouco como um consolo. E já tentando me livrar de um polvo que criticaria minha frase, diria estar muito na linha de um escritor dito ruim, embora venda muitos livros, só faltaria eu dizer para viver com tranqüilidade e cumprir a missão porque tu podes, e repete tu podes seiscentas vezes no espelho todas as manhãs.

Tento ser relevante para os meus amigos, embora não a qualquer preço. A relevância pode vir depois de quinze anos, mas terá vindo; ou pode vir imediatamente, tudo bem. Se o preço for coisa que não se pague, tenha-se paciência; é uma hora obscura em que nem para os amigos se é relevante. Acho que não estou nessa hora, é só um exemplo.

Todas as vezes em que eu descobrir em mim uma complexidade, uma erudição e uma relevância que pode ultrapassar certos limites menos rotineiros, procurarei manter a calma e a discrição, não achar que estou sendo grande coisa (porque realmente não seria) e não abraçar ninguém como um polvo, perguntando em lituano: como é que não conheces os meus mitos?